
A Operação Contenção, deflagrada pela Polícia Militar do Rio de Janeiro e que deixou 121 mortos nos complexos da Penha e do Alemão , no dia 28 de outubro, trouxe a segurança pública ao centro do debate político. Nos dias que se seguiram, o governo federal encaminhou um Projeto de Lei para agravar penas para lideranças e integrantes de organizações criminosas.
O texto chegou ao Congresso e tem sido fartamente discutido entre governo, sua base no parlamento e a oposição. O relator do projeto na Câmara, Guilherme Derrite (PP-SP), apresentou nesta terça-feira (18) a quinta versão do texto .
Além desse projeto, está desde abril naquela casa legislativa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 18, também iniciativa do Poder Executivo, que trata das competências da União, estados e municípios relativas à segurança pública – por isso chamada de PEC da Segurança Pública.
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As duas pautas têm o poder de mobilizar a sociedade e devem levar a segurança pública aos holofotes eleitorais no ano que vem. O cientista social Mauro Paulino, expert em opinião pública e eleições, assinala que, nos últimos anos, as pesquisas de opinião têm mostrado que o tema da segurança pública supera as preocupações tradicionais, como economia e saúde.
“Essas questões chegaram muito mais próximas da população. Especialmente para os mais pobres, ficaram muito mais perceptíveis. Tornaram-se algo mais presente na vida das pessoas”, descreve Paulino se referindo à visibilidade crescente das facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), além das milícias.
“A população brasileira está estressada com sentimento de insegurança”, avalia o estatístico Marcelo Souza, diretor do Instituto MDA de Pesquisa. Segundo ele, o apoio verificado em diferentes pesquisas de opinião à Operação Contenção no Rio de Janeiro demonstra que há tendência de se aceitar “um modelo mais punitivista de enfrentamento às facções.”
Souza explica que operações como “são mais midiáticas” e na percepção de boa parte da sociedade há um entendimento de que “estão combatendo ali o bandido.”
“Por ter sido algo tão contundente, algo tão avassalador, com imagens fortes dos corpos estendidos, criou um ambiente de apoio”, acrescenta Mauro Paulino.
Ele destacou que a repercussão contrasta com a desaprovação que houve após o massacre do Carandiru (1992), quando 111 pessoas presas foram mortas pela Polícia Militar de São Paulo em uma intervenção no presídio para por fim a uma rebelião.
“A gente tem percebido que há na sociedade brasileira também um aumento constante do apoio a esse tipo de ação. E isso se dá especialmente pelo medo, por conta da percepção da violência cada vez mais próxima, da ameaça inerente ao sair à rua”, relata Paulino.
Nesse contexto, “essas soluções aparentemente mais fáceis”, com o apoio em redes sociais e mais o suporte da mídia tradicional, “fez com que houvesse dessa vez aprovação da atuação policial”, avalia o cientista social.
Para a cientista política Walkiria Zambrzycki, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (Crisp/UFMG), operações como a Contenção ocorrem sem que o problema da criminalidade seja resolvido.
“Nós prendemos mal, prendemos muito e a sociedade ainda entende que encarceramento ou que matar bandido são as alternativas”, salienta a pesquisadora.
Para ela, é importante a sociedade refletir sobre que tipo de respostas ela quer dos governos na área de segurança pública.
O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mais de 670 mil pessoas – em sua maioria, homens (94,5%), negros (70%) e que não completaram o ensino fundamental (54,8%).
Para Walkiria Zambrzycki, “a forma de atuação policial nas comunidades, nas favelas é uma forma diferente de outros bairros. Tem uma questão racial, tem uma questão social, e tem uma questão econômica.”
“De alguma forma a gente autoriza que os policiais arrisquem a vida em operações e que parte da sociedade sofra o efeito colateral dessas operações policiais. A gente precisa refletir até que ponto alguém se sente mais seguro com esse tipo de atuação”, pondera a especialista.
O jornalista Orjan Olsen, consultor em análise de dados, explica que o apoio à operação Contenção muda conforme as categorias sociodemográficas. Ou seja, depende do bairro, idade ou escolaridade . E a distinção é mais clara quando se compara o posicionamento de homens e mulheres, e, ainda mais, quando se confronta o posicionamento político.
“O pessoal da direita justifica [a operação] e o pessoal mais progressista manifesta indignação [quanto as mortes que resultaram]. Nós temos choque de dois discursos. Essa polarização foge das meras perguntas eleitorais e atinge uma série de políticas públicas e ações de governo”, aponta o consultor.
Os choques de discursos e disputas de narrativas se dão em meio a um contexto de desinformação, alerta o comunicólogo Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.
“O que existe é a população com medo da violência. A violência muitas vezes relacionada ao tráfico de drogas. E a população não enxergando soluções com o Estado cumprindo a lei, soluções capazes de resolver o problema da violência. Do outro lado, há uma grande desinformação sobre como essa ação aconteceu.”
Conforme o comunicólogo, a mensagem que chega à maioria das pessoas é que ‘existia um monte de bandido numa favela, e a polícia foi lá e matou os bandidos’ e a maioria da população é a favor. “A discussão do devido processo legal não chega na maior parte da população e nem a informação que era possível que muitos fossem inocentes .”
Meirelles avalia que a população é favorável que o problema da violência seja resolvido, mas isso não quer dizer que haja acolhimento total ao que a polícia fez nos complexos da Penha e do Alemão.
“Se nas pesquisas de opinião perguntassem ‘você a favor de que a polícia mate ou prenda alguém sem o devido processo legal? Sem que essas pessoas possam ser julgadas e condenadas?’ ou ‘você acha correto ou incorreto que a polícia mate pessoas moradoras de favelas sem que elas tenham sido condenadas antes?’, as respostas seriam diferentes.”



